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terça-feira, 18 de janeiro de 2011


A Rede Social (The Social Network) vence o espectador logo na primeira cena por exaustão, quase por W.O., antes mesmo dos créditos iniciais. Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) fala sem parar sobre os QIs dos gênio e as fraternidades mais exclusivas de Harvard numa velocidade que a sua namorada, à sua frente, não consegue acompanhar. O barulho no Thirsty Scholar Pub é alto, toca "Ball and Biscuit", e no momento em que Zuckerberg finalmente leva um fora da garota nós podemos ouvir o climático solo de guitarra da música do White Stripes ao fundo.

A trilha sonora executada como e

xtensão do conturbado fluxo de consciência de Zuckerberg é uma das ferramentas de que o diretor David Fincher dispõe para manter o espectador conectado à sua verborrágica história oral da criação do Facebook. Isso fica claro no instante seguinte, a saída do pub, os créditos do filme, quando toca fora de cena a primeira faixa composta por Trent Reznor eAtticus Ross especialmente para a trilha, "Hand Covers Bruise" (é a mesma música que fica ao fundo no site oficial). Nela, acordes simples ao piano vêm acompanhados de um zumbido que nos deixa ao mesmo tempo apreensivos e anestesiados.

Há um clima de urgência se instalando em A Rede Social, como se Mark Zuckerberg, depois do fora, corresse ao dormitório por predestinação, chamado a cumprir um papel milenar que lhe cabe. O nerd não é um macho alfa, de qualquer forma, e como o nosso narrador tem à mão a Internet, o seu fluxo de consciência logo vira uma série deposts rancorosos no velho Livejournal. Para se vingar das mulheres, Zuckerberg hackeia do seu quarto em Harvard algumas redes de faculdades e cria um site que ranqueia fotos de universitárias. Começa a germinar aí a ideia da rede social que o tornou bilionário.

O Zuckerberg real afirma que nunc

a houve a tal namorada, mas para o filme isso não importa. Como uma advogada diz mais adiante, "todo mito de criação precisa de um diabo", e o gênio overachiever de Harvard não é muito diferente de outros magnatas da comunicação que acabam virando arquétipos de tragédia no cinema - homens que ligam pessoas e terminam sós, que lidam com as palavras mas não conseguem se expressar - como o próprio Charles Foster, o Cidadão Kane.

A Rede Social, então, funciona em dois níveis. O primeiro é o mundo como o narrador Zuckerberg vê, um borrão cor de musgo cheio de eventos desinteressantes. O próprio Fincher - sempre um niilista - em cenas como a da regata, onde o protagonista não está presente, reproduz essa visão (a mecanicidade eterna dos gêmeos remadores é o contraponto ideal aos arroubos de articulação de Zuckerberg). O segundo nível, em oposição, é o mundo de fato - que em seu movimento inercial não se deixa alterar pelos atos de Zuckerberg, ao contrário do que o nosso anti-herói, na sua mania de grandeza, gosta de pensar.

Perguntas como "tenho sua atenção?" e "você está ouvindo o que estou dizendo?" surgem um par de vezes. No fim das contas, embora o Facebook trate de conectividade, David Fincher está fazendo um filme sobre a dissonância. É como o ruído que persiste na trilha de Reznor, literal e metaforicamente.

Nesse sentido, talvez A Rede Social esteja tão próximo de Zodíaco, o melhor filme do diretor, quanto de Cidadão Kane. A impossibilidade de redenção e a estrutura temporal baseada num longo flashback são as mesmas do clássico de 1941, e Zuckerberg tem seu Rosebud pessoal, evidentemente. Já a sensação de impotência é comparável à de Zodíaco, um filme com personagens que também projetam no mundo relações irreais de causa e efeito, para preencher seus vazios. No suspense, o jornalista e o cartunista procuram pistas de um assassino que talvez não exista mais. Em A Rede Social, Zuckerberg, desde aquela primeira cena no bar, enxerga segundas intenções em tudo.

O Mark Zuckerberg da realidade tem todo o direito de reclamar do seu retrato ficcional, que afinal é simplificado para se encaixar num certo perfil, num certo arco. Mas o Zuckerberg do filme, embora pareça, não é uma vítima das circunstâncias ou do seu temperamento. É, sim, vítima de seu tempo.

fonte:www. omelete.com.br

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